Entrevista com Antonio Carlos Barro
Publicado em 16.04.2010
A Teologia Evangelical, ou seja, Missão integral, a partir de seu lema "O Evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens", definido no Congresso Internacional de Evangelização, realizado em 1974, em Lausanne, na Suíça, oferece uma lente através da qual lemos as Escrituras Sagradas em busca de referenciais para a presença do cristão e da comunidade cristã no mundo.
Mas poucos são os pastores, líderes e faculdades evangélicas que optam por estudá-la e praticá-la em suas vidas, denominações e programas de ensino. E muitos confundem a missão integral com o assistencialismo aos mais pobres.
Crendo que a Missão Integral é algo fundamental para exemplificar e demonstrar a presença cristã que gera transformação das dimensões morais, intelectuais, econômicas, culturais e políticas da comunidade onde está inserida, é que entrevistamos o Dr. Antonio Carlos Barro.
Barro é doutor em Estudos Interculturais pelo Fuller Theological Seminary (California/EUA), professor de disciplinas na área de Teologia Prática, fundador da Faculdade Teológica Sul Americana e atual Chanceler, pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil e responsável pelo site www.sermao.com.br
O que é ter um ministério pastoral com missão integral?
Antonio Carlos - Primeiro devo dizer que essa é uma tarefa um pouco complicada. Complicada porque poucos pastores sabem o que é missão e bem poucos sabem o que é missão integral. Já tivemos casos (mais de um) de pastores que são formados em seminários tradicionais no Brasil que vêm estudar em um dos cursos da Faculdade Teológica Sul Americana e sem ter idéia do que estamos falando quando o termo Missão Integral é usado. Se os pastores não sabem o que é Missão Integral como eles vão desenvolver seus ministérios debaixo deste guarda-chuva?
Mas, respondendo à pergunta de maneira bem simples eu diria que ter um ministério com a missão integral é olhar para o ser humano com um olhar cheio de amor e de bondade e ministrar a esse ser humano de tal forma que ele encontre sua identidade na casa de Deus e recupere a sua dignidade na forma da nova criação. Todas as partes que juntas formam o ser humano são alvos do ministério pastoral.
Muitos confundem a Missão Integral com o assistencialismo aos pobres, qual a diferença? Como as Igrejas podem colocar a missão integral em prática?
Antonio Carlos - Essa confusão se dá em decorrência do que já afirmei na primeira pergunta. Os evangélicos sempre foram preocupados com a alma das pessoas. Queriam salvar almas para o céu. Nossas pregações, nossos hinos e a nossa práxis eram nessa direção. Até que um dia descobriram que a igreja precisa fazer algo mais e esse algo mais era em direção aos pobres. Alguém chamou isso de Missão Integral (MI). A partir desse momento criou-se a lenda de que MI é fazer algo para os pobres e marginalizados da sociedade.
Isso não é e nunca será MI.
Missão Integral como o próprio nome afirma é integral. Para ser integral é preciso ter as partes. A soma de todos os ministérios ou de tudo o que a igreja faz é a MI. Integral é o valor limite da soma daquilo que a igreja é. Num certo sentido nem precisa do nome Integral. Missão já é essa soma. Assim sendo, uma igreja pode ter um ministério com os pobres numa favela e estar longe da MI, bem como um igreja que trabalha com casais ou uma igreja que evangeliza ricos na Av. Paulista.
Eu não conheço nenhuma igreja que desenvolve a MI na sua plenitude. Essa igreja ainda não foi fundada.
A ação missiológica e pastoral da igreja afeta a pessoa humana em todas as suas dimensões: biológica, psicológica, espiritual e social - a pessoa inteira em seu contexto. Como recuperar a visão bíblica da unidade do ser humano nestas dimensões inseparáveis sem cair numa teologia triunfalista?
Antonio Carlos - A única maneira de recuperar isso é reciclar os pastores e líderes assim como todo o povo de Deus. A pergunta que precisa ser feita é se essas pessoas querem aprender a respeito dessa visão ministerial que engloba todo o ser humano. Minha impressão é que a igreja não quer aprender, porque isso é custoso, envolve quebra de paradigmas e um retorno a um cristianismo mais simples que atuaria como contracultura de quase tudo o que está acontecendo em nossas comunidades.
Rene Padilla, um dos grandes precursores da Missão Integral certa vez declarou: "O grande perigo para a sociedade e para a missão integral da igreja hoje, não é o comunismo, mas é o capitalismo." Você concorda com esta afirmação?
Antonio Carlos - Bem, eu não sei o que estava na cabeça do Padilla e em qual contexto ele fez essa declaração. A meu ver não existe nenhum sistema que ajuda ou atrapalha a MI. Ela é desenvolvida independentemente do sistema vigente porque ela é maior do que qualquer cultura e por isso, transforma a cultura. Se o governo é comunista, capitalista ou monárquico isso não tem a menor importância.
Agora existe um fato que é mais preocupante e que foi apontado por Herbert Butterfield, historiador Inglês nos anos cinquenta: a igreja sempre foi como um camaleão. Se o governo é republicano, ela é republicana; se o governo é monárquico, ela é monárquica. Ou seja, a igreja é conivente com o sistema. Tem alguns que não serão. Esses são os remanescentes fiéis e os que não dobram os joelhos para Baal.
Em sua opinião o que dará mais certo: uma igreja com programas e projetos de evangelização e discipulado ou uma igreja que treina seus membros para obedecerem a Cristo nas suas diferentes áreas da vida cívica?
Antonio Carlos - Uma coisa não elimina a outra. Ou uma coisa deveria incluir a outra. Os programas de discipulados na maioria das igrejas não passam de um tempo em que o aprendiz irá ouvir (não digo aprender) algumas fórmulas da nossa sagrada tradição evangélica. Irá ouvir que somos isso e não aquilo, que fazemos isso e não aquilo. O ensino é meramente formal, enche a cabeça de alguns conceitos que não podem ser usados para nada na vida prática.
A igreja deveria educar seus membros para que sejam pessoas libertas do pecado, do medo e da apatia. A maioria dos crentes é apática. O crente aprende desde cedo numa igreja evangélica que a sua função é frequentar um culto e dar o dízimo. Ninguém o desafia a ser uma agente de transformação na sociedade. Portanto, o que chamamos de discipulado pode ser chamado de qualquer coisa.
Quais as dificuldades da Igreja de hoje para vivenciar a missão integral?
Antonio Carlos - Acho que já respondi nas perguntas anteriores.Mas a maior dificuldade é a falta de entendimento a respeito de dois termos básicos: missão e missões. Quando eu vou a uma conferência missionária, eu participo de um evento que tem um foco: falar de missões. Isso inclui orar, ir, contribuir, conhecer, etc. Tudo ali gira em torno de missões, seja mono cultural ou transcultural.
Agora quando eu vou pregar sobre missão da igreja, os crentes e os pastores pensam que eu estou falando sobre missões. Aí eles fecham o filtro porque ninguém está muito interessado em missões. Eu não posso ser pastor ou líder se eu não entendo o que é missão, se eu não entendo que a missão é a razão de ser da igreja, que a natureza da igreja é missionária. Falta mais reflexão aos nossos líderes, eles deveriam pensar mais nisso.
Quais os seus conselhos aos líderes e pastores para repassar a visão da missão integral para sua igreja?
Antonio Carlos - Ver, julgar e agir.
Ver o que está à sua volta, ensinar sua igreja a ler a Bíblia e o mundo ao mesmo tempo e levar sua igreja a responder às necessidades que estão perto dela. Pelo menos isso. Não se preocupe em querer salvar o mundo. Salve o seu bairro, salve sua cidade.Agir em nome de Deus e com os recursos disponíveis. Fazer o que pode e o que não pode, ore a Deus. Ele é o Senhor dos recursos.Depois avalie o que foi feito, arrume o que pode ser arrumado.
Finalmente, convoque a comunidade e celebre os frutos da missão. Depois de celebrar (alguns podem chamar isso de culto) saia para o mundo em missão. Retorne para celebrar e volte ao mundo para missionar. Só isso.
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Título do artigo: Ministério pastoral e missão integral
Autor: Antonio Carlos Barro
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