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sexta-feira, 30 de julho de 2010

Em caso de ARREBATAMENTO....

Hermes C. Fernandes

“Em caso de arrebatamento, este carro vai ficar desgovernado”. Esta frase é encontrada adesivada em muitos automóveis em nossas cidades. Para os não-evangélicos não faz o menor sentido. Mas para muitos os evangélicos esta frase denota a crença na doutrina do arrebatamento secreto, defendida pelo sistema dispensacionalista de interpretação bíblica.

Segundo este sistema, a volta de Cristo seria dividida em duas fases, a primeira seria secreta e destinada unicamente aos crentes, enquanto a segunda seria pública e aconteceria sete anos depois dos crentes serem arrebatados e levados para o céu.

Os mais antigos se lembram de um hino cujo título era “O Rei está voltando”. Entre suas estrofes, se dizia que o mercado ficaria vazio (e não seria pela alta dos preços!), os aviões cairiam pela ausência súbita dos pilotos. Enfim, o mundo ficaria em polvorosa, e a mídia não se ocuparia com outra notícia que não fosse o desaparecimento de milhões de crentes pelo mundo a fora. Alguns defensores das teorias de conspiração afirmam que a mídia reportaria o desaparecimento súbito de milhões de crentes como um caso de abdução em massa promovida por discos voadores (sic).


Cresci ouvindo isso. Ficava atormentado quando meus pais tocavam na vitrola o disco “A última trombeta”.


Depois de crescidinho, deparei-me com outros sistemas de interpretação, e mesmo formado em Teologia, já tendo dado aula de Escatologia em um seminário, decidi rever meus conceitos.

Dei-me conta que a doutrina do arrebatamento secreto não consta das Escrituras, e foi inventada há pouco mais de duzentos anos, por um inglês chamado John Nelson Darby (1800-1882), e tornando-se febre entre os cristãos evangélicos por causa dos comentários de rodapé da Bíblia de Scofield. Portanto, é a mais recente linha de interpretação da escatologia bíblica. Mais tarde, descobri que tal interpretação já havia sido seminalmente engendrada trezentos anos antes pelo jesuíta espanhol Franscisco Ribera (1537-1591). Por quase três séculos, tal teoria ficou confinada à Igreja Católica Romana, até que, em 1826, Samuel R. Maitland (1792-1866), que era bibliotecário de Canterbury, publicou um panfleto em que promovia a idéia de Ribera.

Mas o que mais me incomodou com esta doutrina não é sua origem, mas os seus efeitos colaterais. Até o seu surgimento, os cristãos estavam engajados na transformação do mundo. Grandes nomes da ciência eram cristãos devotos. Universidades como Havard, Princeton, Oxford, foram fundadas sob a égide dos ideais do Reino de Deus. O surgimento do Dispensacionalismo alimentou o processo de secularismo, fazendo com que os cristãos recuassem, e cedessem espaço aos céticos.

Antes fosse o carro ou o avião que ficasse desgovernado em caso de arrebatamento. Em vez disso, o que ficou desgovernado foi o Mundo. A Igreja deixou de ser o sal da terra, a luz do mundo, para tornar-se numa sub-cultura, num gueto religioso. O que muitos cristãos contemporâneos parecem ignorar é que cada passo que a igreja dá pra trás, é espaço que ela cede a Satanás. Não seria esta uma maneira de "dar lugar ao diabo" (Ef.4:27)?

Se antes a Ciência era praticada por cristãos convictos, hoje está nas mãos dos ateus. Pra quê fazer ciência, se o mundo está prestes a acabar? Por que nos envolver com questãos como preservação ambiental, justiça social, ética, se as coisas têm mesmo que piorar para apressar a volta iminente de Jesus? De onde tiraram esta conclusão, se "a vereda dos justos é como a luz da aurora que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito"(Pv.4:18)?

Recuso-me a crer que Cristo virá ao encontro de uma igreja acovardada, que não terá concluído a Grande Comissão, tampouco terá sido luz do mundo e sal da terra (Mt.5:14). Recuso-me a crer que o mesmo Jesus que pediu ao Pai para que não nos tirasse do mundo, agora mudou de idéia e vem para nos raptar (Jo.17:15).

A febre dispensacionalista alcançou um novo apogeu recentemente com o lançamento da série “Deixados para trás”, de Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins (Acho que a série deveria se chamar “Passados para trás”).

Pregadores bradam de seus púlpitos: “Somos a última geração! A geração do arrebatamento!” Mas se contradizem quando gastam milhões na construção de catedrais suntuosas. Imagino o que pensam nossos filhos quando afirmamos que somos a geração final. Com isso, nós os privamos de qualquer perspectiva de futuro. Prefiro ficar com o salmista, e declarar: "A posteridade o servirá; falar-se-á do Senhor às gerações futuras" (Sl.22:30-31).

Encruzando os braços, os cristãos estão entregando o mundo às baratas. Desistindo de lutar pelas próximas gerações. Isso sim é que podemos chamar de alienação.

Se os leitores da Bíblia comentada por Scofield deixassem de dar crédito àquilo que está em seu rodapé, e começassem a ler mais o conteúdo das Escrituras, talvez houvesse uma revolução. O problema é que estamos condicionados a uma leitura, e qualquer um que faça uma leitura diferente é logo tachado de herege.

Por desconhecerem a história, ignoram que muitos dos escritores cristãos aclamados também esboçavam uma escatologia esperançosa quanto ao futuro do Mundo. Gente como Spurgeon, Whitefield, Wesley, Calvino, Lutero, Lloyd-Jones, Jonathan Edwards, os puritanos, e tantos outros, criam no avanço do Evangelho e na eventual conversão das nações a Cristo (Leia Salmo 22:27-28). Era a isso que chamavam “avivamento”.

Aos vidrados em teorias de conspiração devo informar que vocês estão sendo vítimas da maior de todas elas. Esqueçam “Deixados pra trás”! Olhem para Cristo, o Cavaleiro Fiel e Verdadeiro, que saiu “vencendo e pra vencer”.

Um dos cânticos mais cantados pelos cristãos ao redor do mundo foi composto por alguém que tinha esta esperança. Ele diz:


Já refulge a glória eterna,
De Jesus, o rei dos reis;
Breve os reinos deste mundo,
Seguirão as Suas leis;
Os sinais da sua vinda,
Mais se mostram cada vez;
Vencendo vem Jesus!

Glória, glória, aleluia (3x),
Vencendo vem Jesus!

O clarim que chama as crentes,
A batalha já soou;
Cristo, à frente do seu povo,
Multidões já conquistou;
O inimigo em retirada,
Seu furor patenteou;

Vencendo vem, Jesus!

E por fim entronizado,
As nações há de julgar;
Todos grandes e pequenos,
O juiz hão de encarar;
E os remidos triunfantes,
Em fulgor hão de cantar:
Vencendo vem Jesus!

Sinceramente? Prefiro este hino àquele que estimula os crentes à irresponsabilidade com o futuro da Terra.

Recomendo que os leitores deste blog busquem comparar o sistema dispensacionalista com outros sistemas de intepretação da Escatologia Bíblica. Vocês se surpreenderão.


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