[Republicação - Mais uma carta fictícia. Não existe o Reverendo Van Diesel, pelo menos não com este nome...]
Prezado Reverendo Van Diesel,
Obrigado
por ter respondido minha carta. Você foi muito gentil em responder
minhas perguntas e explicar os motivos pelos quais você costuma ungir
com óleo os membros de sua igreja e os visitantes durante os cultos,
além de ungir os objetos usados nos cultos.
Foto do armário do Rev. Van Diesel - óleo santo importado de Israel |
Sem
querer abusar de sua gentileza e paciência, mas contando com o fato de
que somos pastores da mesma denominação, permita-me comentar os
argumentos que você citou como justificativa para a unção com óleo nos
cultos.
Você escreveu, "A
unção com óleo era uma prática ordenada por Deus no Antigo Testamento
para a consagração de sacerdotes e dos reis, como foi o caso com Arão e
seus filhos (Ex 28:41) e Davi (1Sam 16:13). Portanto, isto dá base
para se ungir pessoas no culto para consagrá-las a Deus." Meu caro
Van Diesel, nós aprendemos melhor do que isto no seminário
presbiteriano. Você sabe muito bem que os rituais do Antigo Testamento
eram simbólicos e típicos e que foram abolidos em Cristo. Além do mais,
o método usado para consagrar pessoas a Deus no Novo Testamento para a
realização de uma tarefa é a imposição de mãos. Os apóstolos não
ungiram os diáconos quando estes foram nomeados e instalados, mas lhes
impuseram as mãos (Atos 6.6). Pastores também eram consagrados pela
imposição de mãos e não pela unção com óleo (1Tim 4.14). Não há um
único exemplo de pessoas sendo consagradas ou ordenadas para os ofícios
da Igreja cristã mediante unção com óleo. A imposição de mãos para os
ofícios cristãos substituiu a unção com óleo para consagrar sacerdotes e
reis.
Você disse que "Deus
mandou Moisés ungir com óleo santo os objetos do templo, como a arca e
demais utensílios (Ex 40.10). Da mesma forma hoje podemos ungir as
coisas do templo cristão, como púlpito, instrumentos musicais e
aparelhos de som para dedicá-los ao serviço de Deus. Eu e o Reverendo
Mazola, meu co-pastor, fazemos isto todos os domingos antes do culto."
Acho que aqui é a mesma coisa que eu disse no parágrafo anterior. A
unção com óleo sagrado dos utensílios do templo fazia parte das leis
cerimoniais próprias do Antigo Testamento. De acordo com a carta aos
Hebreus, estes utensílios, bem como o santuário onde eles estavam, “não
passam de ordenanças da carne, baseadas somente em comidas, e bebidas, e
diversas abluções, impostas até ao tempo oportuno de reforma” (Hb
9.10). Além disto, o templo de Salomão já passou como tipo e figura da
Igreja e dos crentes, onde agora habita o Espírito de Deus (1Co 3.16;
6.19). Não há um único exemplo, uma ordem ou orientação no Novo
Testamento para que se pratique a unção de objetos para abençoá-los. Na
verdade, isto é misticismo pagão, puro fetichismo, pensar que objetos
absorvem bênção ou maldição.
Você também argumentou que “Jesus
mandou os apóstolos ungir os doentes quando os mandou pregar o
Evangelho. Eles ungiram os doentes e estes ficaram curados (Mc 6.13).”
Nisto você está correto. Mas note o seguinte: (1) foi aos Doze que
Jesus deu esta ordem; (2) eles ungiram somente os doentes; (3) e quando
ungiam, os enfermos eram curados. Se você, Van Diesel, e seu auxiliar
Mazola, curam a todos os doentes que vocês ungem nos cultos, calo-me
para sempre. Mas o que ocorre? Vocês ungem todo mundo que aparece na
igreja, crianças, jovens, adultos e velhos... Você fica de um lado e o
Mazola do outro, e as pessoas passam no meio e são untadas com óleo na
testa, gente sadia e com saúde. Se há enfermos no meio, eles não parecem
ficar curados. Pelo menos o membro da minha igreja que esteve ai por
três domingos seguidos não viu nenhum caso de cura. Ele me disse que
você e o Mazola ungem o povo para prosperidade, bênção, proteção,
libertação, etc. É bem diferente do que os apóstolos fizeram, não é
mesmo?
Quando eu questionei a unção das partes íntimas que você faz numa reunião especial durante a semana, você replicou que “a
unção com óleo sagrado e abençoado é um meio de bênção para as pessoas
com problemas de esterilidade e se aplicado nas partes íntimas, torna
as pessoas férteis. Já vi vários casos destes aqui na minha igreja.”
Sinceramente, Van Diesel, me dê ao menos uma prova pequena de que esta
prática tem qualquer fundamento bíblico! Lamento dizer isto, mas dá a
impressão que você perdeu o bom senso! Eu me pergunto por que seu
presbitério ainda não tomou providências quanto a estas práticas suas.
Deve ser porque o presidente, Reverendo Peroba, seu amigo, faz as mesmas
coisas.
Seu último argumento foi que “Tiago mandou que os doentes fossem ungidos com óleo em nome de Jesus (Tg 5.14).”
Pois é, eu não teria problemas se os pastores fizessem exatamente o
que Tiago está dizendo. Note nesta passagem os seguintes pontos.
- A iniciativa é do doente: “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor."
- Ele chama “os presbíteros da igreja” e não somente o pastor.
- O evento se dá na casa do doente e não na igreja.
- E o foco da passagem de Tiago, é a oração da fé. É ela que levanta o doente, “E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg 5.15).
Ou seja, não tem como usar esta passagem para justificar o “culto da unção com óleo santo”
que você faz todas as quintas-feiras e onde unge quem aparece. Não há
confissão de pecados, não há quebrantamento, nada do que Tiago associa
com esta cerimônia na casa do doente.
Quer
saber, Van Diesel, eu até que não teria muitos problemas se os
presbíteros fossem até a casa de um crente doente, que os convidou, e lá
orassem por ele, ungindo com óleo, como figura da ação do Espírito
Santo. Se tudo isto fosse feito também com um exame espiritual da vida
do doente (pois às vezes Deus usa a doença para nos disciplinar),
ficaria de bom tamanho. E se houvesse confissão, quebrantamento, mudança
de vida, eu diria amém!
Mas
até sobre esta unção familiar eu tenho dúvida, diante do uso errado
que tem sido feito da unção com óleo hoje. De um lado, há a extrema
unção da Igreja Católica, tida como sacramento e meio de absolvição
para os que estão gravemente enfermos e se preparam para a morte. Por
outro, há os abusos feitos por pastores evangélicos, como você. O
crente doente que convida os presbíteros para orarem em sua casa e
ungi-lo com óleo o faz por qual motivo? Ungir com óleo era comum na
cultura judaica e oriental antiga. Mas entre nós...? Será que este
crente pensa que a unção com óleo tem poderes miraculosos? Será que ele
pensa que a oração dos presbíteros tem um poder especial para curar?
Se ele passa a semana assistindo os programas das seitas
neopentecostais certamente terá idéias erradas sobre unção com óleo.
Numa situação destas de grande confusão, e diante do fato que a unção
com óleo para enfermos é secundária diante da oração e confissão de
pecados, eu recomendaria grande prudência e discernimento.
Mas,
encerro por aqui. Mais uma vez, obrigado por ter respondido à minha
primeira carta e peço sua paciência para comigo, na hora de ler meus
contra-argumentos.
Um grande abraço,
Augustus
PS:
Ah, o Reverendo Oliveira e o Presbítero Gallo, seus conhecidos, estão
aqui mandando lembranças. Eles discordaram veementemente desta minha
carta, mas fazer o quê...?
PS2: Desculpe ter publicado a foto que o Severino acabou tirando daquele seu armário no gabinete pastoral... ele não resistiu.
PS2: Desculpe ter publicado a foto que o Severino acabou tirando daquele seu armário no gabinete pastoral... ele não resistiu.
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